CINECLUBE TARUMÃ: 38 ANOS DE CONHECIMENTO FILMICO

Selda Vale da Costa

Dezembro de 2018

O cineclubismo funcionou como uma grande universidade.

Narciso Lobo

UMA EXPLICAÇÃO NECESSÁRIA

O Cine&Video Tarumã, Projeto de Extensão da UFAM, coordenado pelo prof. Antonio José V. da Costa -Tomzé (Decom/UFAM), desde os anos 90, e que funciona às 2as., 4as. e 6as. feiras, das 12:30 às 14:15h, no Auditório Rio Negro do ICHL/UFAM, é a continuação, com algumas alterações, do Cineclube Tarumã, cujo nascimento oficial deu-se em março de 1980, mas começando a engatinhar desde dezembro de 1979. Por essa razão, o Cine & Video Tarumã, no ano de 2018, fez 38 anos de vida, de vida intensa pela exibição crítica e de qualidade de filmes que o cinema mundial e nacional vem produzindo.

Este artigo pretende trazer à luz de hoje o que foram os cinco primeiros anos do Cineclube Tarumã, quando, ao lado de outras entidades culturais, fez o agito na cidade de Manaus.

PRIMORDIOS DO CINECLUBISMO EM MANAUS

Os cineclubes nasceram no século 20, na França, e têm como principal objetivo levar os filmes ao telespectador de forma diferente, exibidos em locais públicos sem fins lucrativos, e com o intuito de criar debates para que não se saia apenas com a informação comum do filme, mas que se possa compartilhar e discutir sobre determinado assunto, além de se conhecer a historia do cinema e os principais elementos de linguagem fílmica.

A atividade cineclubista em Manaus tem idade bem avançada. Data dos anos 20 do século passado, quando em setembro de 1921 é criada a Associação dos Ex-alunos do Colégio Dom Bosco – o Grêmio Dom Bosco. Como atividade principal, é criado em dezembro desse ano o Cine Manáos, com sessões aos domingos, só para os associados. Mais tarde, muda o nome para Cine-Theatro Manaus, com sessões também aos sábados. Em 22 de junho de 1924 abre suas portas ao público em geral, com sessões diárias e anúncios nos principais jornais da capital. Em 1929 passa a funcionar em novo prédio, à Av. Epaminondas, n. 3, ao lado do Colégio.

As sessões com filmes de caráter religioso, mais tarde de conteúdo mais aberto, sobre temáticas sociais, eram seguidas de debates, coordenados pelos padres salesianos. A fonte onde se alimentavam estava no próprio Vaticano que orientava os colégios religiosos a desenvolverem a formação espiritual e social dos alunos pela prática das artes cênicas (a paixão de Cristo e a vida dos santos) e a exibição de filmes educativos. Nos anos 30 no Brasil, com a criação do INCE - Instituto Nacional de Cinema Educativo, pelo governo de Getúlio Vargas, as escolas passaram a ser alimentadas de documentários sobre fenômenos da Natureza ou poéticos, como os curtas de Humberto Mauro – “A velha a fiar”, “Carro de bois” e outros – que, aliás, foi diretor do INCE por longos anos. O Cine Manaus tem existência até os anos 40.

Depois, seguindo a tônica da descontinuidade em Manaus, como a denominou Narciso Lobo em sua dissertação de mestrado, um hiato, um vazio de informações. Onde a prática cineclubista teria permanecido? Fato é que os jornais, e a memória de hoje, dão conta que nos anos 60 algumas instituições e escolas exibiam filmes para seus associados ou alunos, sem muitos debates ao final, puro lazer, ou melhor, uma política de boas relações de trabalho.

Ao lado dessas experiências escolares, aparecem o Cineclube Banco do Brasil, coordenado pelo bancário e escritor Francisco Vasconcellos; o Cineclube Dom Bosco, dirigido por Márcio Souza, nos anos 1965.

O Cineclube Humberto Mauro, criado no âmbito da Fundação Cultural do Amazonas, em 1969, e dirigido inicialmente pelo critico José Gaspar, começou funcionando no Auditório Alberto Rangel (sala não mais existente, na Biblioteca Publica) com o apoio do Luís Moraes na parte técnica e empréstimo de filmes. O Cineclube Humberto Mauro era visto como um espaço elitista, frequentado por intelectuais, estudantes, advogados, literatos. Em 11 de julho de 1976, O Jornal, p. 15, informava:

Voltou a funcionar o Cine Clube “Humberto Mauro”, sob a direção do cineasta [sic] José Gaspar, numa feliz iniciativa da Fundação Cultural do Amazonas. O Cine Clube está apresentando semanalmente filmes de excelentes qualidades e começa a despertar grande interesse por parte dos amantes da sétima arte.

No final de 1970, o cineclubista Tomzé passou a ser seu responsável. Mais tarde, nos anos 80, André Gatti, da SEC – Secretaria do Estado da Cultura - veio a dirigi-lo. Em 1986, funcionava na sala da Vila Ninita, na av. Sete de Setembro, espaço da SEC. Desapareceu nos anos 90.

Outros cineclubes tiveram vida mais curta e poucas marcas deixaram:

Cineclube do Palácio Rodoviário (Randolfo Bittencourt) - 1963, aos sábados à noite, para os funcionários e suas famílias. Exibição, sem a natureza de um cineclube.

CineclubeVarig, dirigido por José Gaspar, no final dos anos 60. Funcionou no SESC. Depois se transformou no Cineclube Silvino Santos.

Cineclube Sagarana, coordenado pela estudante Natacha Andrade, em 1969, no Colégio Christus, na av. Joaquim Nabuco, em sessões especiais.

Cineclube Lima Barreto, coordenado por Veronica de Araújo Capelo, professora da Universidade do Amazonas, na gestão do Assessor de Cultura João Ribeiro. Funcionou no Hotel Imperial, av. Getúlio Vargas, aos sábados, às 20:30h. Inaugurado com um ciclo de filmes com temática indígena. Anos 70/80.

Cineclube da Aliança Francesa, dirigido por Tomzé, desde 1975.

Novotel, em abril de 1980 – sessões de cinema da Air France, promovidas por Genaro Cesário.

            Destes, apenas o Cineclube Silvino Santos teve repercussão maior. Criado e dirigido por José Gaspar, de 1972 a 1974, funcionou no 3º andar do SESC. Em 02 de fevereiro de 1974, em conjunto com o Curso de Comunicação Social, vem a realizar um ciclo de filmes, “Clássicos do cinema universal”, com a colaboração da Aliança Francesa de Manaus, no Auditório do IBEU.

GEC - GRUPO DE ESTUDOS CINEMATOGRÁFICOS

           

            Em 12 de fevereiro de 1960, O Jornal, à p. 1, divulgava uma noticia interessante:

                                     

                                      Em formação:

                                      GRUPO DE ESTUDOS CINEMATOGRÁFICOS

                                     

                                       Está se formando em Manaus um Grupo de Estudos Cinematográficos, formado    por jovens que tem interesse em estudar de fato o cinema em todas as suas         facetas e sob todos os aspectos, visando com isso difundir a “sétima arte” e, ao   mesmo tempo, aprofundar os seus conhecimentos nesse assunto.

                                       Pe. Luís Ruas, srtas. Socorrro de Farias, Etelvina Norma Garcia, Cecilia      Guedes, Regina Coeli Guedes, Prof. Carlos Eduardo Gonçalves e o acadêmico           Fernando Dinelly formam essa equipe de Estudos Cinematográficos, que está se reunindo semanalmente na Escola Comercial SENAC de Manaus, na rua       Saldanha Marinho.

                                       Na próxima quarta-feira, às 20 horas, será debatido o tema “Pré-história Técnica    do Cinema – Análise do Movimento”, podendo todos quantos se interessam por             cinema tomar parte no debate em referência.

            Seria o embrião do futuro GEC, que parece ter iniciado suas reuniões no ano de 1962 e existido até 1966? Funcionou no Colégio Christus inicialmente, com algumas sessões especiais, depois no Palácio Rodoviário (hoje Faculdade de Medicina da UEA) (onde se deu a 1ª projeção do GEC).

            O GEC representou a grande ruptura, o divisor de águas nas atividades cineclubistas em Manaus nos anos 60 e possibilitou a produção de vários curtas, que circularam em nível nacional, a descoberta do pioneiro Silvino Santos e a realização do Festival Norte do Cinema Brasileiro, em 1969.

OS ANOS 80.  AGITAÇÃO CULTURAL EM MANAUS

Corria o ano de 1979, em que tivemos a anistia politica, não a total e irrestrita. A democratização da sociedade foi lenta e gradual. Tivemos a volta dos exilados políticos, as lutas sociais contra a carestia, contra o racismo, contra a devastação da Amazônia, pelos direitos e contra o projeto de emancipação dos povos indígenas, pela demarcação de seus territórios. Amazônia, índios, posseiros. Os partidos políticos começando a aparecer, o surgimento das oposições sindicais. As associações de classe, a luta das mulheres. As universidades começando a respirar outra vez, DCEs, UNE, APPAM, ADUA, ANDES, PT, as vozes nas ruas, subindo o tom e o som. Democracia à vista!

Em Manaus, os movimentos sociais agitavam corações e mentes. Nas atividades da Semana do Índio, no mês de abril, semana de 16 a 21, o Grupo Kukuro de Apoio à Causa Indígena, o Movimento de Defesa da Amazônia - MDA, e outras entidades recém-criadas, promovem a exibição de um conjunto de filmes no Auditório Alberto Rangel, na Biblioteca Pública: Amazônia, de Jean Manzon; Ilha do Bananal, de Gentil Vasconcellos; Jornada Kamayurá, de Heinz Forthmann; Noel Nutels, de Marco Altberg; Kuarup, de HeinzForthmann, O começo antes do começo, de Marcio Souza, Pankararu do Brejo, de Wladimir Carvalho, Uirá, de Gustavo Dahl e Ajuricaba, de Osvaldo Caldeira. Oficio dirigido ao Diretor do Serviço de Censura de Diversões Públicas do Departamento da Policia Federal em Manaus e assinadopor Selda Vale, pela Comissão Organizadora, dá conta das liberdades restritas.

Desde outubro de 1978, quando o PEPA - Projeto de Estudos e Pesquisas em Antropologia, da Universidade do Amazonas, realizou o Curso de Extensão em Antropologia da Amazônia, com a participação de figuras notórias, como a antropóloga Carmen Junqueira (PUCSP), Pe. Casimiro Beksta (CENESC), Marcio Souza (TESC) e a lingüista Consuelo Alfaro (UA), deu-se a exibição, pela primeira vez, de filmes etnográficos. Desde então, com a colaboração da Cinemateca do MAM (Cosme Alves Netto), o Grupo Kukuro vinha realizando algumas exibições fílmicas esporádicas, sempre com a “bênção” da Policia Federal, pois para qualquer evento publico que se desejasse realizar era necessária a autorização do órgão de censura.

Coincidentemente, o ano em que o CineClube Tarumã é criado, 1980, é também o Ano Internacional da Cultura e nesse ano, em agosto, o Teatro Experimental do Sesc, o TESC, é fechado, quando o grupo encenava “A irresistível ascensão do Boto Tucuxi”. Todos esses eventos talvez tenham contribuído para que o Tarumã tenha nascido com tantas mãos ajudando o “parto”.

O MDA – Movimento de Defesa da Amazônia e o Projeto Jaraqui, com várias outras entidades, participam do Fórum de Debates sobre a Amazônia, cujas denúncias sobre desmatamento e invasão de terras de indígenas e de posseiros compõem as principais manchetes de jornais. Enquanto isso, “O ultimo tango em Paris”, filme proibido pela Censura por muitos anos está sendo exibido no cinema Veneza. Outro fato importante foi a presença, em março, de José Celso Martinez Correa e Celso Lucas, que acompanhavam a exibição itinerante do filme “25, o canto da liberdade de Moçambique”, mostrado no Auditório Dr. Zerbini, da Universidade do Amazonas, promoção da Assessoria de Extensão da Universidade, e no auditório Alberto Rangel, aqui numa programação do Cineclube Humberto Mauro, da Fundação Cultural.

No mês de abril de 1980, além da Semana do Índio, com a celebração da Missa da Terra sem Males, na Catedral, pelo grupo Kukuro, Cimi, MDA, CPT, Grupo Tariri e Amapam, com a presença do bispo Pedro Casadáglia e Pedro Tierra, além de autoridades constituídas, como o governador e muitos, muitos policiais com metralhadoras a postos, tivemos shows maravilhosos com Nara Leão e, em maio, com Mercedes Soza, no Teatro Amazonas. No Cine Chaplin, “Terra dos Índios”, de Zelito Viana.

Em 20 de novembro de 1980, o Grupo Kukuro, o MDA, a ADUA e outras entidades, conseguem autorização do Serviço de Censura para exibir o filme “Jari”, de Jorge Bodanzky e Wolf Gauer, alugado da DinaFilme – Distribuidora Nacional de Filmes, entidade recém-criada no Movimento Cineclubista Nacional, com sede em São Paulo (rua do Triunfo, na “Boca do Lixo”). Selda Vale assina pela Comissão Promotora: dia 22, no Auditório Alberto Rangel; dia 25, na Livraria Maíra (Dori e Sheila Carvalho) e no Instituto de Educação do Amazonas e dia 29, no Auditório Dr. Zerbini, da Faculdade de Medicina da UA. O filme será apresentado durante a semana seguinte em colégios e bairros de Manaus, com debates após sua exibição.

Em 5 de dezembro, pela primeira vez, surge publicamente o Cineclube Tarumã, ao assinar o pedido de liberação para a exibição ainda do “Jari”, no interior do estado: “O Cineclube Tarumã, em estruturação, em ligação com outras associações, vem solicitar a liberação da...”. Selda Vale carregando um projetor 16mm Bell Howell, doação do empresário Nuno Cunha das lanchonetes Ziza’s, vai exibir o filme no dia 8 de dezembro em Itacoatiara e no dia 14, em Manacapuru, na Casa da Cultura. Nos dias 9 de dezembro, na Escola Técnica Federal; dia 11, no Sesi e dia 13, novamente no Auditório Alberto Rangel.

Entrementes, o filme “Jari” havia sido proibido em todo o território nacional pela Policia Federal.

Cartaz do Filme exibido pelo Cineclube Tarumã, em novembro de 1980.

Em uma das tantas exibições (ao todo, foram 17!) do filme, a Policia Federal quis apreender a cópia, que estava sendo projetada na Livraria Maíra, mas a rápida ação dos frequentadoresdriblou a censura e o filme foi levado para São Paulo, de volta à Dinafilme, pelas mãos do então senador Evandro Carreira. Naquele tempo, não passava de três ou quatro o número de cópias de um filme em 16mm, disponíveis para todo o Brasil, e seu preço era alto. Portanto, a perda de uma cópia acarretava um dano não só para quem tinha alugado o filme, como também para o movimento cineclubista, que ficava com uma copia a menos para circular, mesmo que clandestinamente, como foi o caso do “Jarí”, do “O homem que virou suco” (João Batista de Andrade), “Linha de Montagem” (Renato Tapajós) e tantos outros.

Em 13 de dezembro de 1980, a AADDH – Associação Amazonense de Direitos Humanos - solicita ao Serviço de Censura a liberação da projeção do filme "Nosferaru, o vampiro da noite", de Werner Herzog, para o dia 13, às 20h no Alberto Rangel. Selda Vale assina o ofício como Secretaria do Conselho da AADDH. No verso do folheto que anunciava o filme “Nosferatu”, um manifesto:

Esta é uma sessão de cinema que pretende lançar a idéia de se formar um cineclube autêntico em Manaus. Um clube de cinema que, além de seus sócios fixos, agrupe todas as pessoas interessadas em assistir, discutir e aprender aspectos de filmes clássicos, herméticos[sic], populares, de vanguarda, documentários de nossa realidade social e politica. Enfim, um ambiente onde se possa trocar conhecimentos e experiências; um ambiente livre para os mais variados comentários e ideologias. Um cineclube tem como prática possibilitar à população envolver-se com o sentido e a razão das mensagens, ou com a linguagem fílmica, obtidas a partir da análise e da síntese, criando uma consciência critica nos espectadores. ...O movimento cineclubista no Brasil está se afirmando a cada momento, mesmo encontrando as mais variadas barreiras (entre elas, a do boicote das distribuidoras estrangeiras de filmes de 16mm e a criação de “salas especiais”), já existindo hoje a Federação Nacional de Cine-clubes e a Distribuidora Nacional de Filmes em 16mm. Cine-clube é, pois, a oportunidade de todos se reunirem, organizados, para trocar ideias sobre cinema...

E, finalmente, em 30 de dezembro de 1980, o Cineclube Tarumã começa a se manifestar publicamente como entidade estruturada. Em oficio a Álvaro Páscoa, Superintendente da Fundação Cultural do Amazonas, Tomzé informa da organização do novo cineclube, que “se filiará ao Conselho Nacional de Cineclubes-CNCC”, e solicita o uso semanal, aos sábados, a partir de março de 1981, do auditório Alberto Rangel, que pertencia à FCA.

Em dezembro de 1980,estava fundado oficialmente o Cineclube Tarumã, realizando projeções em bairros e associações de classe.

CINECLUBE TARUMÃ: UMA ALTERNATIVA CULTURAL PARA MANAUS

Tenho na lembrança as sessões nos bairros, nos centros comunitários, no interior, como em Manacapuru... Lembro-me da quantidade de vezes que projetamos O homem que virou suco... O papel do cinema para a politização, em plena ditadura. Tenho muito boas lembranças. Recordo do velho auditório Zerbini, dos ciclos, de ti (Selda) ajudando a refletir, do H. Dias, discursando quando morreu René Clair, dos ciclos, dos debates... alguns filmes inesquecíveis como o Metrópolis, Morangos Silvestres e tantos outros. Vocês, os craques e eu, uma caloura, aprendendo a gostar de cinema. E como esquecer das nossas corridas para pegar ou levar os rolos, as latas dos filmes no aeroporto para cumprir o prazo do aluguel? O Tomzé emendando filme com fita durex... o Herbert, o “escravo etíope”, carregando o projetor de 16mm...

            As memórias de Ana Paulina Soares, uma das primeiras sócias e batalhadoras do Cine Clube Tarumã e hoje profa. e dra. na UEA, afloram, hoje, trazendo um colorido especial ao movimento.

O ano de 1981 será de intensa atividade política e de efervescência cineclubista. O Tarumã realiza, de março a dezembro, 41 sessões semanais no Auditório Dr. Zerbini e no Alberto Rangel, na Biblioteca Pública; 50 sessões em bairros, associações diversas, escolas e faculdades e exibe 105 filmes (40 inéditos em Manaus) entre longas e curtas, brasileiros e estrangeiros. Teve como principais fornecedores de filmes a Embrafilme, a Dinafilme, a Polifilmes, Artfilmes e os consulados e institutos de línguas, como o Goethe e a Aliança Francesa, que distribuíam alguns dos melhores títulos do Novo Cinema Alemão e da Nouvelle Vague francesa, respectivamente.

No dia 20 de janeiro de 1981, Tomzé assina, como presidente, oficio ao Serviço de Censura da Policia Federal, informando da criação do Cineclube Tarumã, cuja diretoria eleita estava assim constituída: Presidente: Antonio José Vale da Costa - Tomzé; Vice-Presidente: Hidelberto Dias - H.Dias; Tesoureira: Maria Berenice Coroa de Carvalho - Beré; Secretário: João Ney e como suplentes: Selda Vale da Costa e Magaly Amed da Costa. Outrossim, informava que o CCTarumã tinha como espaço fixo de exibição semanal o Auditório Alberto Rangel, na Biblioteca Pública, cedido pela FCA e, eventualmente, faria projeções em locais variados, em ligação com associações e entidades civis. Este é o atestado de batismo oficial do Cineclube Tarumã.

O apoio à nova entidade era visível e abertamente caloroso e fraterno, distâncias e pessoas desconhecidas não eram obstáculos para seus dirigentes. Todos participavam.

Em carta à Embrafilme em março de 1981, Selda informava ao funcionário Sebastião de França, nunca visto, mas muito próximo na cooperação, que os filmes sobre o Dia Internacional da Mulher enviados pela Embrafilme estavam sendo devolvidos através do escritor Márcio Souza que tinha ido ao Rio, e que os filmes exibidos, “Leila Fox”, “Suely” e “Mangue”, este devido “à ausência de uma pessoa de ligação com as prostitutas de Manaus impediu que fosse exibido para elas” e que embora “o tema ‘Mulher’ ainda não atraia muito público... os debates foram interessantes, mas a desarticulação do Comitê da Mulher Universitária (Carnaval e início das aulas) prejudicou um pouco os resultados”...

Interessante que as agências que alugavam filmes, como a Embrafilme e a Dinafilme, solicitavam, no retorno, um relatório sobre as exibições realizadas. Através desses relatórios, fica-se conhecendo, o titulo dos filmes, público, numero de sessões e renda arrecadada!!. Por exemplo, no relatório à Embrafilme sobre a programação durante a Semana do Meio Ambiente (1 a 10 de junho de 1981), Selda informa que cinco filmes da Embrafilme foram exibidos, com os respectivos números de sessões e público presente: “Amazônia, Urgente” (7 sessões com um total contabilizado de 330 pessoas ); “O grito do rio” (9 sessões, 390 pessoas); “Morrendo” (10 sessões, 420 pessoas); “Ponto Final”(10 sessões, 430 pessoas); “Ecologia”(4 sessões, 150 pessoas). E o relatório continuava: “Quanto aos locais e tipos de público, a maioria foi de bairros periféricos e colégios, e o público maior constou de moradores de bairros, adultos e crianças, seguido de estudantes secundaristas e universitários. O filme ‘Amazônia, Urgente’ não foi muito bem recebido, entretanto os demais foram objeto de importantes debates sobre saneamento, arborização etc. Como sempre, a renda foi baixa, em decorrência de não cobrarmos ingressos, mas contribuições voluntárias”.

Em 25 de março de 1981, o Tarumã registrou-se junto à Secretaria da Fazenda e deu-se a abertura do livro de registro de Receitas e Despesas. Seu primeiro endereço oficial foi o do Diretório Universitário, à Av. Epaminondas, 497. Depois, à rua Pedro Botelho, centro (residência da Selda). O Tarumã abriu conta no Banco Nacional de Crédito Cooperativo.

As principais despesas referem-se a: fretes, aluguel, conserto de projetor, lâmpadas, tomadas, excitadoras, correias, fios de extensão, táxis para exibição, gasolina para carro ao aeroporto, carimbos, pinceis atômicos, envelopes, pastas, resmas de papel, cartório e publicação de Estatutos, boletins, telefonemas.

No mês de março, como iria se repetir nos anos seguintes, várias entidades - PO, PJ, Comitê da Mulher Universitária, AADDH, Grupo Kukuro, MOAM e PT - comemoram o Dia Internacional da Mulher. No Encontro da Mulher Trabalhadora, no colégio D. Bosco, o Cineclube Tarumã exibe os filmes “Trabalhadoras metalúrgicas”, “Vida de Doméstica” e “Tarumã”, para uma plateia de mais de 300 mulheres.

Ainda em março, o Tarumã traz a Manaus um clássico do cinema mundial: o “Encouraçado Potemkin”. Retirado dos cinemas brasileiros após o golpe de 1964, “depois de 20 anos volta a se exibir em Manaus, graças aos esforços do Cineclube Tarumã”, afirmava o jornal A Critica (25.03.81). E a lista de filmes programados era chuva abençoada em terra ressecada de imagens clássicas.

A TVE, canal 2 [atual TV Cultura-AM], mantinha um programa de cinema, o CineClube2, que a partir de março iria apresentar mais de 30 longas-metragens inéditos na TV. E afirmava: “E você ainda assiste de graça aos comentários do crítico cinematográfico José Gaspar”.

Manaus contava então com os seguintes cinemas [de rua]: Chaplin, Cinema 2, Studio Center, Veneza, Ipiranga e Guarany.O Cinema Novo, de Jesus Leong e Orsine Oliveira, começa a funcionar a partir de abril de 1981, na av. Joaquim Nabuco, atual prédio do auditório da Uninorte.

            Em 1981, foram criados o Teatro de Bonecos e a Oficina de Artes, esta do francês Patrick Maury, na rua da Instalação, que agitaram as ruas da cidade com programações-cabeça e muita arte colorida.

Abril de 1981 coloca a cidade na pauta política nacional. Lula, presidente do PT, com outros integrantes, está preso e será julgado (depois absolvido), em Manaus, por “crimes praticados contra a Lei de Segurança Nacional” e o presidente João Figueiredo, aquele que preferia o cheiro de cavalo ao cheiro do povo, inaugurava a primeira etapa (15 mil casas) de uma nova cidade dentro de Manaus: a Cidade Nova.

Para mostrar que cara feia de Figueiredo já não intimidava, o Cineclube Tarumã durante a estadia do presidente exibiu os filmes “Greve”, “A greve do ABC” e “Cinco vezes favela” (do CPC da UNE).

19 de abril, Dia do Índio. Todos os anos, uma semana de debates e filmes em toda a cidade. Escolas e bairros recebem o pessoal do Tarumã com uma programação do que de mais recente se havia produzido em documentários no Brasil. O filme “Raoni” foi um sucesso!

O Tarumã passou a vender as revistas Filme e Cultura da Embrafilme e Cinemin, da EBAL, nas sessões do cineclube, através de artistas, e em bancas de jornais e livrarias de amigos, como a Livraria Brasileira, na praça de São Sebastião, junto à Igreja, e na Livraria Maíra, como forma de conseguir alguma renda. Hoje as duas livrarias citadas não mais existem, deixando saudosas memórias de encontros entre leitores e intelectuais.

Selda, Vagner da Livraria Brasileira, Renan Freitas Pinto, Joaquim Marinho,

Luiz Bacellar e Geraldo Gomes, em frente à Livraria Brasileira, em plena Praça São Sebastião

(Acervo Selda Vale)

Francisco Vasconcelos, Luiz Bacellar, Renan Freitas Pinto e H. Dias, na Livraria Valer

(Acervo Selda Vale)

Em 23 de março de 1981, em carta ao Cine Clube Porto Velho, ao enviar-lhes o filme da Embrafilme, “A hora e a vez de Augusto Matraga” (Roberto Santos), Tomzé tinha esperanças em um intercambio que, além da troca de idéias e experiências, barateasse os custos de frete:

Resolvemos criar um novo cineclube, novo em tudo, nos seus objetivos, na sua dinâmica. Somos um cineclube itinerante, que anda pelos bairros, nas escolas, com curtas de temas como Mulher, Questão Indígena, Trabalhadores Rurais, Meio ambiente etc. Além disso, temos sessões de longas também em locais variáveis, quase sempre em conjunto com entidades civis de expressão local.

                Com o Cineclube Tirol, de Natal-RN, a troca de correspondência e de latas de filmes foi muito interessante. Iniciaram-se as conversas em agosto de 1981, solicitando o filme “O sonho não acabou” e afirmávamos:

Nós necessitamos desse filme para um ciclo que estamos programando com a Federação de Teatro do Amazonas... Gostaríamos de conhecer as atividades que vocês vêm desenvolvendo, visto que nós aqui do Norte sofremos de falta de informações, que às vezes atrasam nosso trabalho. Nosso cineclube é o único agora em Manaus, e além de sessões semanais para um público geral, fazemos trabalhos em bairros, escolas, Universidade, com curtas sobre a situação do povo brasileiro.

            Já com a Universidade do Amazonas as relações nem sempre foram amistosas. O Tarumã tinha conseguido o auditório Dr. Zerbini, na Faculdade de Medicina, mas sob condições, impostas pelo reitor Octavio Hamilton Mourão: “Autorizo desde que não haja patrocínio de partidos políticos nas sessões, que seja comunicado à Reitoria a programação a ser cumprida”. E todos os meses o Cineclube tinha que enviar sua programação, o mais detalhadamente possível.

            Algumas vezes, os dirigentes do cineclube foram chamados à presença do reitor para dar explicações sobre alguma alteração de última hora. Lembro de uma ocasião em que houve um debate muito caloroso e aberto, no Auditório Zerbini, totalmente lotado, tendo na mesa Marcio Souza e o prof. Samuel Benchimol. As intervenções do público foram intensas. No dia seguinte eu, Selda, recebi ordens de me apresentar ao Magnífico, que me ordena que impeça que haja debates nas sessões “em próprios da Universidade”. Digo-lhe, de volta, que não sou a Policia Federal e que se ele quer silenciar a reflexão dentro da UA, que chame a Policia. E passe bem.

            Mas, embora pudéssemos perceber informantes e policiais disfarçados, nunca tivemos problemas com a Reitoria, ou com a Policia Federal, que não pudessem ser resolvidos sem a prisão de algum dos membros do Cineclube. Interessante anotar que embora o Magnífico impusesse o envio da programação, para fiscalizar, os cineclubes já não eram obrigados a esse envio prévio à Censura Federal, em virtude dessa obrigatoriedade ter sido anulada pela Portaria 033/80, de 03 de novembro de 1980, da Divisão de Diversões Publicas, de Brasília, que havia revogado a Portaria de no. 14/70, de 30 de março de 1970, onde essa obrigatoriedade fora estabelecida.

            Um problema enfrentado pelo cineclube foi a inexistência de uma sede, um local fixo, assim como de um espaço fixo de exibição. Em maio de 1981, Berenice Carvalho, tesoureira, encaminhava oficio ao dr. Walter Góes, diretor do Centro de Ciências da Saúde, atual Faculdade de Medicina, solicitando o uso do Auditório Dr. Zerbini daquele Centro, para servir de local das sessões semanais, aos sábados, tendo em vista a reforma que o Auditório Alberto Rangel sofreria, de junho a setembro. Mas, a centralização de decisões era patente, só o Reitor podia atender. Duas tentativas de entrevista resultaram em vão, até que finalmente Selda consegue a tão esperada aprovação do uso do auditório, com a ressalva acima já referida.

            O ciclo sobre os mais importantes acontecimentos nacionais, que teve como titulo “Memória: 80 anos de Brasil”, empolgou os meios estudantis. Debates com professores universitários durante o mês de agosto no auditório Alberto Rangel avivaram a memória dos antigos e esclareceram aos novos participantes do cenário social brasileiro sobre as lutas sociais e politicas dos 80 anos do século 20. Ofícios encaminhados aos diretores de colégios pela diretoria do Cineclube garantiram audiência plena e participação agitada nas sessões.

Em setembro de 1981, o intercambio entre os cineclubes do Norte havia se intensificado e o Tarumã já propunha ao Cineclube de Porto Velho um encontro em Manaus:

...falando nisso, estamos escrevendo para esses cineclubes [do Acre, de Roraima e de Santarém] para ver as possibilidades de um encontro aqui em Manaus, para um intercambio e, quem sabe, para a gente criar uma Federação Norte de Cineclubes e uma filial da Dinafilme. Esse projeto foi discutido no Sul e o pessoal de lá tá a fim. E vocês?

            É no ano de 1981 que o nome de Silvino Santos sai do véu do esquecimento e começa a brilhar no céu da memoria de Manaus e do Brasil, com a realização de um evento na Galeria de Artes Afrânio de Castro, na Academia Amazonense de Letras. Comandado pelo CineClube Tarumã, com outras entidades, foram exibidos filmes que naquele momento estavam na posse de Roberto Kahané que, gentilmente, cedeu copias para exibição: “Silvino Santos, o fim de um pioneiro”, “Fragmentos de Terra Encantada” e “A Exposição da Independência”. Além dos filmes, uma exposição de fotos e equipamentos, coordenada por Flavio Bittencourt.

            Entre a programação de 1981 do Cineclube Tarumã podemos destacar os seguintes títulos: Ciclo sobre Migrações internas; Mostra sobre o Trabalhador rural; Mostra sobre o Movimento estudantil brasileiro; Ciclo Teatro no cinema; Mostra Movimentos Revolucionários mundiais; Tributo a Silvino Santos; Mostra O Negro brasileiro; Mostra do Novo Cinema Alemão.

1982: organizar é preciso

O Cineclube realizava reuniões regulares com sócios, amigos e parceiros apoiadores. Na reunião de 20 de janeiro de 1982, no Auditório Alberto Rangel, na Biblioteca Publica, a pauta dos assuntos era enorme. Entre eles, avaliação das atividades de 1981; programação, com as instituições interessadas, para 1982, “discutir a possibilidade do Tarumã tornar-se distribuidor de filmes para instituições interessadas; realização de curso de projeção de filmes; formação do quadro de associados”. Resumo das deliberações:

1. Divulgação deve ser massificada, de modo a ser realmente uma alternativa ao cinema comercial, para não ficar restrito a intelectuais, ser um cinema popular. Mas a solução não é massificar, mas fazer com que a massa participe.

2. Definir o que se quer com o debate. Falta perspectiva no debate.

3. Filmes legendados em bairros não atingem o publico. Não se deve “baixar o nível” da programação, mas conseguir, no sábado [sessões pagas, com longas-metragens] sustentação financeira e, nos bairros, elevar o nível.

4. A base do cineclube são os sócios e seu problema fundamental é a falta de dinheiro.

Na sessão de 28 de janeiro de 1982, na sede do Teatro de Bonecos, na folha original preservada, constam como participantes: Carlos Rebouças, Domingos Lima (PT); José Maria Mendes (Livraria Nacional); H. Dias (AADDH e Cineclube Tarumã); Vera Helena Silva (DU e AMAPAM); Paulo Sarmento Filho (DU e Centro Acadêmico de Biologia); José Norberto (CAFCA); Flávio Bittencourt (A.A.B.B); Patrick Maury (Oficina de Arte); Sávio José (C.A. de Química); Osmir(?) Medeiros (FETEAM). Pela direção do CCTarumã: Herbert Braga, Antonio José Costa (Tomzé), Selda Vale, Ana Paulina, Luiz Cláudio, Berenice Carvalho, além de H.Dias.

Entre os parceiros apoiadores aparecem: Lanchonetes Ziza’s, Centro Educacional Cretã, Livrarias Nacional e Maíra, Adua, Sindicato dos Jornalistas, dos Trabalhadores da Construção Civil, alguns centros acadêmicos, Pastorais, Cimi, Amapam, MDA, FETEAM, Movimento Alma Negra (Viva sempre Nestor Nascimento e Maria do Carmo!), Emater e outros.

A partir de março, o Auditório Alberto Rangel na Biblioteca Pública foi o espaço para exibição de filmes longas-metragens, mas, em agosto, voltamos para o Dr. Zerbini, da UA.

As despesas com as atividades do cineclube são pesadas para o pequeno grupo que carrega literalmente o projeto nas costas. Vamos atrás de patrocínio e apoiadores! Carta à Varig, em 16 de fevereiro de 1982, solicitando gratuidade no frete das latas de filmes, o grande peso do cineclube.

A ida de Selda para São Paulo em fevereiro de 1982 para cursar mestrado na PUC anima os sócios, pois no centro da distribuição de filmes certamente iria conseguir bons títulos e facilidades no envio. A dedicação de Selda é tão grande que ela faz plantão quase todas os dias na Dinafilme, na rua do Triunfo, e come sanduíches com seus membros no Bar Soberano onde se reúne a turma da Boca do Lixo. O intercambio é visceral!

1982 - mudanças na politica nacional, eleições diretas para governadores. Mas o reitor Mourão continua a solicitar a programação previamente para dar autorização no uso do auditório Dr. Zerbini. Na Fundação Cultural sai Álvaro Páscoa e entra Antístenes Pinto.

Berenice Carvalho deixa a função de tesoureira do CineClube, pois vai também para São Paulo, para cursar mestrado na PUC. Com ela, uma leva de colegas da UA: Narciso Lobo e Conceição Derzi, da Comunicação, Manoel Galvão da Medicina, Natacha Fink do Tariri, Marilene Correa, Edinea Dias e Paulo Pinto Monte do ICHL e muitos outros.

A migração dos animadores para São Paulo deixa Tomzé muito sozinho para tantas atividades. O vazio se instalou na diretoria. Após um tempo de inatividade, o CCTarumã reativou suas sessões com ao seguinte chamamento a seu publico:

1983 – A luta pelo tombamento do Cine Guarany, encabeçada pelo CCTarumã

O ano de 1983 ficará marcado pela derrubada do Cine Guarany, apesar de todos os esforços da sociedade local organizada em torno do CCTarumã. Desde maio até dezembro, a luta contra a derrubada do querido cinema ganha corações e mentes de todo o Brasil. O lançamento do livrinho “Hoje tem Guarany”, de Selda Vale e Narciso Lobo, em novembro de 1983, emocionou até o poeta Carlos Drumond de Andrade, que em janeiro de 1984 escreveu uma belíssima crônica no “Jornal do Brasil” (31.1.84). Mas, o Guarany foi derrubado.

Apesar da luta inglória, o Cineclube Tarumã prosseguiu sua caminhada, apresentando no ano de 1983 mais filmes consagrados pela critica.

  

            O Tarumã resiste! Apesar da ausência de pessoal, dos custos dos fretes, Tomzé o mantém em funcionamento durante os anos 1983 e 1984. Em abril de 1984, na Semana do Índio, o CCTarumã apresenta, no ICHL, o curta metragem, de Sérgio Bianchi, "Mato eles?", (premiado no Festival e Gramado), com debate ao final conduzido pelos profs. Paulo Monte e Ademir Ramos.

De 05 a 10 de agosto de 1985, no mês em que se comemora o cinema brasileiro, o Cineclube Tarumã, juntando forças com o Cineclube Humberto Mauro e o Lima Barreto, realiza a Mostra de Filmes Humberto Mauro, idealizada e patrocinada pela Embrafilme, exibida no auditório Kilde Veras (Vila Ninita), com a participação, na abertura, do crítico José Gaspar. São 14 filmes em 16mm. O jornal A Critica (28.07.85) informava que

Essa Mostra foi oferecida inicialmente ao CCTarumã que, por enfrentar uma serie de crises financeiras, não poderia, de principio, assumir esse compromisso. Porém, o presidente do Cineclube, jornalista Tomzé Costa, resolveu fazer um contato com os dois outros cineclubes existentes na cidade a fim de que o público manauara não perdesse essa oportunidade, talvez única, em Manaus.

Em 20 de dezembro de 1985, apesar dos tempos bicudos, o Tarumã volta a apresentar-se, agora com o Centro Omágua de Estudos e Pesquisas, com o filme "Perseghini", de Vladimir de Carvalho e Sergio Moriconi, sobre a violência e a militarização do campo, debate com a presença do personagem-título, Luís Perseghini, que estava radicado no interior do Amazonas, na Ilha da Marchantaria. O filme que seria inicialmente exibido na sala Kilde Veras, anexo ao Palácio Rio Negro, foi transferido para o Auditório Dr. Zerbini, porque aquela sala seria reservada durante todo o mês de dezembro como depósito de brinquedos, informava o Jornal do Commercio. Era o populismo de volta, com a distribuição natalina de brinquedos nos portões do Palácio!

De forma esporádica o Tarumã mantinha seu sopro: Em 20 de fevereiro de 1986, apresenta 3 filmes que encerrarão o Ciclo “Cinema e Cultura Popular”: “Frei Damião, trombeta dos aflitos, martelo dos hereges”, de Paulo Gil Soares; “Casa de farinha”, de Geraldo Sarno, e “O homem do couro”, de Paulo Gil Soares, no Auditório Kilde Veras, anexo ao Palácio Rio Negro.

No mesmo período, o Cine Clube Humberto Mauro, da Fundação Cultural do Amazonas, na época dirigido por André Gatti, apresenta pelos jornais sua programação para o mês de maio de 1986, quando se comemorava o centenário do Primeiro de Maio, data mundial da instituição do dia do trabalhador. O ciclo dedicado aos trabalhadores teve o nome de “Trabalhadores no Cinema” e constou, entre outros, dos documentários: “Braços cruzados, máquinas paradas”; “Trabalhadores, presente”; “Greve”; “Acidentes de trabalho”; “Trabalhadoras metalúrgicas”; “Explotados e Explotadores”.

Aos poucos, o Cine Clube Tarumã vai cedendo seu espaço para outros empreendimentos, até que suspende suas atividades nos finais dos anos 80.

Cine & Video Tarumã: o fogo reavivado

          Em 1990, teve inicio o CINE & VIDEO TARUMÃ, dentro da Universidade do Amazonas. Começou com um televisor de 20 polegadas, um videocassete e reuniu no começo umas trinta pessoas, como conta o prof. Tomzé, seu idealizador e coordenador até o presente: “O primeiro objetivo era mostrar um cinema mais dentro do espírito do cineclubismo, que não é apenas a exibição pura e simples do filme. Pretendíamos criar uma provocação, ir na direção de uma conversa, de um debate que pudesse ser sobre uma especificidade do cinema, por exemplo um ciclo de filmes do neorrealismo italiano, ou também sobre temas, um acontecimento histórico, um problema social etc. Era isso que o cineclubismo fazia; então, tentou-se resgatar essa ideia no primeiro momento, e foi vivido dessa maneira, porque as pessoas que estavam participando vinham desse afã de estar discutindo sempre. O germe dele nasceu em 1990. Por quê? Porque a prática do cineclubismo tinha sumido no final dos anos 80 (ausência de filmes em 16mm), e com o início dos anos 90 surgiu o videocassete. Com o videocassete, a gente viu a possibilidade de trazer vários filmes que tinham ficado na memória, na lembrança. E aí a coisa foi legal, as pessoas vieram ver esses filmes. Não existia ainda essa possibilidade de várias locadoras, vários cinemas, internet; então o Cine&Video Tarumã era um atrativo”.

            Em 2003, a UFAM, através da iniciativa do prof. Renan Freitas Pinto, então diretor do Centro de Artes Hahnemann Bacelar, inaugurou o Univideo, ou o Clube de DVD da UFAM, no CAUA, para atender a um público no centro da cidade.

            Da prática cineclubista, o Cine&Video Tarumã conservou algumas marcas: embora, pelo horário restritivo, não haja mais debates ao final da sessão, uma programação especifica em parceria com departamentos, professores, associações populares, sindicatos, contribui para a discussão dentro da atividade acadêmica e para a prática político-cultural, por outro lado, a seleção dos filmes e a distribuição de folhetos explicativos sobre os mesmos (ficha técnica completa), sobre os realizadores e noticias do mundo do cinema, contribui para a formação fílmica de alguns frequentadores, interessados na realização audiovisual.

Continua o prof. Tomzé: “O cinema é uma área de socialização; se hoje eu posso baixar no meu computador um filme e assistir sozinho, a gente quer fazer isso para uma plateia de 50, 80 pessoas. O público é formado por universitários, mas estes mudaram. Não dá pra você ter universitários com a visão dos anos 80, ou dos anos 90. Hoje, o universitário não tem mais o envolvimento com as questões político-sociais que os filmes tocam. As questões sociais, as questões políticas, as questões econômicas, não atraem mais. As pessoas não querem mais conversar sobre nada, querem ver o filme e ir embora. As pessoas querem que o cinema universitário seja igualzinho ao cinema comercial. Quando a gente faz uma enquete perguntando que tipo de filme você quer assistir, reproduzem uma lista do que está nos cinemas comerciais”.

            O espaço e o horário de funcionamento no ICHL são problemáticos também. Embora a atividade tenha o aval da Universidade como Projeto de Extensão, as condições logísticas são mínimas.

            “Mas, de alguma maneira, eu sinto que os bolsistas que passaram por aqui acabam sendo articulistas dentro da área do jornalismo, mais ligados à arte, ao cinema. O Luís Otávio, o Sávio Stoco, o Jony Clay, o Aldemar Matias passaram por aqui e fizeram seu caminho na área do audiovisual. Acho que, de alguma maneira, o Cine&Vídeo ajudou nessa composição do que eles fazem hoje, seja vendo os filmes que exibimos, seja nas conversas com os cineastas que trouxemos, fazendo as mostras que fizemos. De certa forma, diria que temos uma pequena parcela na contribuição dessas pessoas que se ligaram mais em cinema, seja escrevendo sobre o audiovisual ou mesmo fazendo filmes”, finaliza o prof. Tomzé em entrevista ao CineSET, em 2012 .

            Assim, embora não esteja em seus objetivos explicitamente as funções do cineclubismo, o Cine & Video Tarumã é o Cineclube Tarumã, este nascido no ano de 1980.

                                                                    

O projeto Amazônia Audiovisual - Representatividades Contemporâneas,  financiado pela FAPEAM e realizado pelo NAVI-UFAM busca conhecer e analisar as representações audiovisuais sobre a Amazônia de 1997 a 2010, produzidas em filmes documentários realizados em seis estados da região Norte: Amazonas, Pará, Amapá, Roraima, Acre e Rondônia. Além do levantamento e mapeamento da produção, almeja-se desenvolver uma reflexão sobre as discursividades presentes nas imagens e nos temas escolhidos pelos realizadores locais e os mecanismos de incentivo ao audiovisual na região. 

A história do cinema amazônico tem na descontinuidade sua marca principal. Sabemos que a Amazônia é um dos lugares mais documentados do país, entretanto, o olhar que capturou essas imagens tem sido mais um olhar do estranho do que dos sujeitos sociais locais, principalmente por falta de incentivos governamentais e privados. Ainda que, a partir dos anos 90, na chamada “retomada” do cinema nacional, o documentário ganhe cada vez mais visibilidade no Brasil, na Região Norte, todavia, somente no século 21 é que podemos detectar uma produção significativa e que já participa do circuito nacional, mesmo que ainda timidamente. Qual a cara e a voz que vem se configurando nos documentários produzidos? 

A realização desta pesquisa vai priorizar, como metodologia, o estudo de campo por meio de entrevistas gravadas e filmadas com realizadores, produtores culturais, críticos e historiadores de cinema dos seis estados selecionados. Por outro lado, o levantamento e classificação dos documentários realizados em cada estado, de 1997 a 2010, através de técnicas quantitativas e estatísticas permitirão reflexões críticas sobre a linguagem e temática fílmica nas obras levantadas. O diálogo entre a documentação videográfica do campo e a pesquisa interativa e online amadurecerão configurações futuras de uma possível cartovideografia do documentário na região. 

Espera-se com esta pesquisa, além da criação de uma rede online, da produção de um documentário e futura publicação em livro, contribuir para dar suporte técnico e histórico aos projetos de produção fílmica na região, assim como a iniciativas acadêmicas, além de aprofundar, através da análise temática dos documentários, a compreensão da diversidade cultural da região, pensando a Amazônia como espaço de pluralidades e singularidades. 

O projeto Amazônia Audiovisual - Representatividades Contemporâneas foi contemplado pelo Edital N.021/2011 - Universal Amazonas da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam). Para saber mais acessar: www.amazoniaav.ufam.edu.br

Para acessar o formulário de cadastro do seu documentário realizado entre 1997 e 2010 nos seis Estados Amazônicos da Região Norte (Amazonas, Acre, Amapá, Pará, Roraima e Rondônia) Clique aqui.